Os poderes medicinais do mariri e da chacrona, muito além
do xamanismo.
Resumo: A ayahuasca é uma bebida preparada através da fervura de caules de
mariri (B. caapi) com outras plantas, particularmente a chacrona (P. viridis),
as folhas contem alcalóides responsáveis pelo efeito psicoativo. A atividade
farmacológica depende da interação sinergística entre os alcalóides dessas duas
espécies de plantas. O alcalóide psicoativo da planta chacrona, chamado
tecnicamente de DMT possui efeito alucinogênico, que quando é ingerido
isoladamente, não expressa seu efeito por ser absorvido pela enzima monoamino
oxidase (MAO), que metaboliza a DMT e a digere muito antes que possa chegar ao
cérebro, transformando a DMT em metabólitos inativos. Porém quando ingerido em
conjunto com a planta mariri que possui o composto β-carbolina que é um inibidor
da MAO, o seu metabolismo é mais tardio, permitindo que o mesmo chegue ao
cérebro. A bebida produz estimulação cardiovascular, aumentos na freqüência
cardíaca e pressão arterial, sensações de estimulação visual ou auditiva,
introspecção psicológica e forte sentimentos emocionais. A bebida tem gosto
amargo e pode provocar vômitos. Alguns pesquisadores têm sugerido a utilização
em aplicações terapêuticas como um complemento ao tratamento para vícios da
cocaína, alcoolismo e depressão.
Etnobotânica.
Banisteriopsis caapi (Spruce ex. Griseb.) C.V. Morton.
Outras espécies: Banisteriopsis muricata, Banisteriopsis inebrians,
Banisteriopsis rusbyana (Diplopterys cabrerana).
Família: Malpighiaceae.
Nomes comuns: mariri, ayawaska, ayawaska negra, ayawaska amarilla, purgawaska.
Usos etnofarmacológicos: Depurativa, emética, laxativa, dores de estomago,
anti-reumática, tônica e usada contra lumbago.
Psychotria viridis Ruiz. et Pav.
Outras espécies: Psychotria psychotriaefolia (Seem.) Standl., Psychotria
carthagenensis Jacq., Psychotria alba Ruiz et Pav., Psychotria ernestii K.
Krause.
Família: Rubiaceae.
Nomes comuns: chacrona, chakruna, chakruna negra.
Usos etnofarmacológicos: Depurativa, dores de estomago, anti-reumática, tônica e
usada contra lumbago.
O que é Ayahuasca.
Ayahuasca é uma infusão de plantas psicotrópicas utilizadas em rituais de
xamanismo como uma bebida preparada a partir de caules de B. caapi, uma
trepadeira encontrada na zona ocidental da bacia amazônica, juntamente com as
folhas de P. viridis planta da família do café. Ayahuasca contem princípios
psicoativos usada por mais de 70 grupos indígenas espalhados pelo Brasil,
Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia e Equador (Goulart, 2005). Outros grupos como
o Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV) usam a ayahuasca como
instrumento para elevação do espírito, esses grupos possuem influencia do
Catolicismo (Santos et al., 2007).
Os compostos psicoativos.
P. viridis contém DMT (N, N-dimetil – triptamina), um potente alucinógeno que é
ativo quando tomado parenteralmente, mas não por via oral (Shulgin, 1976). Isto
porque o trato gastrintestinal também contém a enzima monoamino oxidase (MAO),
que metaboliza a DMT digerida muito antes que ela possa chegar ao cérebro,
transformado em metabólitos inativos (Riba et al., 2003). No entanto, quando DMT
é ingerida em conjunto com um inibidor da MAO - como é o caso do composto
β-carbolina - o seu metabolismo é mais tardio, permitindo que o mesmo chegue ao
cérebro (Ott, 1999). No entanto, DMT não é ativa em doses até 1000 mg (Shulgin,
1997). Após administração parenteral de mais de 25 mg, DMT mostra efeitos
psicoativos (Shulgin, 1997). A sinergia entre os compostos psicoactivos em B.
caapi e em P. viridis é uma notável interação farmacocinética. Inibidores da MAO
são uma classe farmacológica de compostos com propriedades antidepressivas,
impedindo a desagregação dos neurotransmissores da monoamino no cérebro (Julien,
1998). A DMT é comumente encontrada em tecidos de mamíferos, outros
pesquisadores propõem que os níveis de DMT aumentem no cérebro de mamíferos
durante o estresse, a permanência da DMT pode atuar como um ansiolítico endógeno
(Jacob & Presti, 2005).
Os caules e cascas de B. caapi contém β-carbolinas tais como harmine e harmaline
(Callaway, 2005) e 1,2,3,4-tetrahydroharmine. Estes compostos β-carbolinas
possuem propriedades sedativas e alucinogênicas e pode também agir como
inibidores da monoamina oxidase (IMAO). Porque a MAO decompõe DMT, sua inibição
permite que a DMT seja absorvida e fique biodisponível oralmente. A β-carbolina
frequentemente causam náuseas e vômitos (Haroz & Greenberg, 2006). As
β-carbolinas não são psicoactivas, mas são inibidores da enzima MAO (Riba,
2003). A combinação das plantas conduz a efeitos psicoativos porque a
distribuição da substancia DMT não é inibida (Riba et al., 2003).
Os efeitos.
Os efeitos geralmente começam após 30-40min da ingestão, o pico dura cerca de 2
h, e pode chegar a 6h (Riba et al., 2003). A bebida produz moderada estimulação
cardiovascular, incluindo aumentos na freqüência cardíaca e pressão arterial
diastólica (Riba et al., 2003). Usuários relataram sensações de estimulação
visual ou auditiva, sinastesia, introspecção psicológica e forte sentimentos
emocionais que vão desde tristeza ocasional ou medo até a exaltação e conforto
espiritual (Shanon, 2002). O chá tem um gosto amargo e não pode ser descrito
como agradável para beber. A ocorrência da emese, ou vômito, não é incomum
durante a experiência, um efeito que é geralmente considerado como uma
purificação espiritual ou física.
Estudos recentes tem revelado que a ingestão da ayahuasca diminuiu os sintomas
do mal de Parkinson em pacientes com esta doença (Serrano-Duenas et al., 2001).
Em outro estudo, Grob et al. (1996), entrevistou 15 praticantes da União do
Vegetal, 11 deles eram usuários do álcool de moderados a severos antes de
engajar na nova religião, 5 deles relataram comportamento violento associado ao
uso do álcool, 4 tinham envolvimento com outras drogas que incluíam cocaína e
anfetamina, 8 eram fumantes compulsivos. Todos eles largaram seus vícios após o
inicio da ingestão da ayahuasca, sem danos na personalidade ou na cognição.
Prova de dependência Ayahuasca é inexistente, na verdade, alguns têm sugerido a
utilização em aplicações terapêuticas como um complemento ao tratamento para
vícios (McKenna, 2004). Mabit (1996) propôs o uso medicinal da ayahuasca no
tratamento do vicio da cocaína. Labigalini (1998) descreveu o uso da bebida por
ex alcoólicos em um contexto religioso.
Referências
CALLAWAY, J.C. 2005. Various alkaloid profiles in decoctions of Banisteriopsis
caapi. J. Psychoactive Drugs 37: 151–155.
GOULART, S. L. 2005. Contrastes e continuidades em uma tradição religiosa
amazônica: os casos do Santo Daime, da Barquinha e UDV. In: Labate, B.C.,
Goulart, S.L. (Orgs.), O uso ritual das plantas de poder. Mercado de Letras,
Campinas, pp. 355–396.
GROB, C. S.; MCKENNA, D. J.; CALLAWAY, J. C.; BRITO, G. S.; NEVES, E. S.;
OBERLAENDER, G. 1996. Human psychopharmacology of hoasca, a plant hallucinogen
used in ritual context in Brazil. J Nerv Ment Dis, 184: 86–94.
HAROZ, R.; GREENBERG, M. I. 2006. New Drugs of Abuse in North America. Clin Lab
Med 26: 147–164.
JACOB, M. S.; PRESTI, D. E. 2005. Endogenous psychoactive tryptamines
reconsidered: an anxiolytic role for dimethyltryptamine. Med. Hypoth. 64:
930–937.
JULIEN, R. M. 1998. A primer of drug action: A concise, non-technical guide to
the actions, uses, and side effects of psychoactive drugs (8th ed.). Portland,
OR: W.H. Freeman & Company.
LABIGALINI, E. J. O uso de ayhuasca em um contexto religioso por ex-dependentes
de álcool - um estudo qualitativo. Tese de Mestrado, Universidade Federal de São
Paulo; 1998. p. 1 – 67.
MABIT, M. 1996. Takiwasi: ayahuasca and shamanism in addiction therapy. MAPS
Newslett. 6, 24–27.
MCKENNA, D. J. 2004. Clinical investigations of the therapeutic potential of
ayahuasca: Rationale and regulatory challenges. Pharmacology & Therapeutics,
102: 111–129.
OTT, J. 1999. Pharmahuasca: Human pharmacology of oral DMT plus harmine. Journal
of Psychoactive Drugs, 31 : 171–177.
RIBA, M. J.; VALLE, G.; URBANO, M.; YRITIA, A.; MORTE, M. J. 2003. Human
pharmacology of ayahuasca: subjective and cardiovascular effects, monoamine
metaboliteexcretion, and pharmacokinetics, J. Pharmacol. Exp. Ther. 306: 73–83.
SANTOS, R. G.; LANDEIRA-FERNANDEZ, J.; STRASSMAN, R. J.; MOTTA, V.; CRUZ, A. P.
M. 2007. Effects of ayahuasca on psychometric measures of anxiety, panic-like
and hopelessness in Santo Daime members. Journal of Ethnopharmacology, 112:
507–513
SCHWARZ, M. J.; HOUGHTON, P. J.; ROSE, S.; JENNER, P.; LEES, A. D. 2003.
Activities of extract and constituents of Banisteriopsis caapi relevant to
Parkinsonism. Pharmacology, Biochemistry and Behavior, 75: 627– 633.
SERRANO-DUENAS, M.; CARDOZO-PELAEZ, F.; SANCHEZ-RAMOS, J. R. 2001. Scientific
Review of Alternative Medicine, 5: 127– 132.
SHANON, B. 2002. The antipodes of the mind: Charting the phenomenology of the
ayahuasca experience. Oxford: Oxford University Press.
SHULGIN, A. 1976. Profiles of psychedelic drugs. I. DMT. Journal of Psychedelic
Drugs, 8: 167–168.
SHULGIN, T. A: The Continuation, Transform Press, 1997.